quinta-feira, outubro 19, 2006

As portas do céu

A Cidade da Virgem e as portas do céu, vistas a partir do Porto Oriental, hoje à tarde, entre tempestades.

"Deus disse: «Faça-se a luz». E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. [...] Deus disse: «Haja luzeiros no firmamento dos céus, para separar o dia da noite e servirem de sinais, determinando as estações, os dias e os anos; servirão também de luzeiros no firmamento dos céus, para iluminarem a Terra»."
Génesis, Bíblia dos Capuchinhos.

Entre as duas palmeiras do antigo matadouro almadino, actual asilo de quem aguarda o Juízo Final, desvenda-se a seta indicadora do caminho divino, na clarabóia curva e celestial do Paço Episcopal. Aí, casa do embaixador do porteiro do céu, num quarto com vista sobre o rio, um esquecido corcunda aponta, interminavelmente numa folha infinita, as almas que se sucedem na fila sem fim.
A esta hora, dia após dia, as primeiras luzes da cidade acendem-se de par em par, acompanhando a inevitável chegada das trevas e lembrando, ao senhor que as governa, que a Cidade da Virgem é sobretudo feita de luz, ainda que as sombras negras que a enevoam assiduamente lhe inflijam a distinção de um lord inglês.
O ritmo compassado do intenso tráfego sobre as pontes, como se visto em dolente câmara lenta, contrasta com a voragem rápida das portas do céu, que devoram vertiginosamente a cada instante do relógio, a linha infinda de vultos perdidos.
Deste lugar, de onde avisto o ferro, o vidro, a árvore, a pedra e a telha, observo e absorvo as diferentes cores da palete do Porto, última estação de abrigo antes da partida final.
Deste lugar, de onde os plátanos das fontaínhas desvendam, com a queda lenta das folhas no Outono, o arco esbelto da ponte feérica e as luzes trémulas da noite profunda, contemplo, em cada arrepiante final de tarde entre tempestades furiosas, o recto traço imenso de gente à espera, por quem não desespera e ninguém quer esperar.

As notas habituais sobre o que por aí se vai escrevendo:
1 -
Excelente texto (mais um!) de Paulo Araújo, no incontornável Dias com Árvores, sobre a lastimosa situação actual do Campo 24 de Agosto.
2 - Do muito que se vai escrevendo sobre o Rivoli, elejo o
editorial do Público, de Amílcar de Correia, lembrado pelo Tiago B. Ribeiro no seu excelente Kontratempos e o texto do Daniel Oliveira, no polemista Arrastão, como aqueles que melhor atacam o problema. Mas foi o texto de Manuel Jorge Marmelo, no sempre interessante Tatarana (e que havia sido publicado previamente em texto de opinião no Público), que eu gostei mais. O tom irónico e acutilante, absolutamente mordaz, é ilustrado na frase: "a edilidade não tem uma política cultural, logo não faz nenhum sentido que essa mesma edilidade gaste dinheiro com algo que não tem". Mas o texto tem mais e melhor, por isso, vale a pena ler todo.
3 - No fenomenal
Não sei pra mais está a fotografia que eu te disse que queria para o hall azul. Mas quando a tirarmos, quero que façamos parte dela. Essa, JC, está excelente!
4 - Sobre
este assunto, está tudo dito aqui. É escandaloso! Que fique claro que não é o pagamento das SCUTs que está em causa, mas a incoerência do discurso e a falta de critérios claros na escolha de quem paga. Tão só!

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2 Carruagens:

Blogger Luzinha said...

Fenomenal!

Tudo!


:O))))

quinta-feira, outubro 19, 2006 10:38:00 da tarde  
Blogger Carlos Romão said...

As portas e as escadas... que coincidência tão engraçada ;)
Abraço

sexta-feira, outubro 20, 2006 12:56:00 da manhã  

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