sexta-feira, outubro 13, 2006

Folhas caídas

A Praça da Corujeira no Porto, há dois anos atrás, quando o Outono atirava as primeiras folhas para o chão.

"Que sobre a flor de seus anos
Soprem tarde os desenganos;
Que em torno os bafeje amor,
Amor da esposa querida,
Prolongando a doce vida
Fruto que suceda à flor
."
Garrett, Almeida (1853) Folhas Caídas.

Está sempre vento quando passeio entre as folhas caídas na Corujeira. Sempre aquele ruído das folhas que se acotovelam no topo dos plátanos à procura de um lugar mais cómodo, entre os raios que emanam do Sol e as gotas frias da chuva que sempre abundam nesta época.
Sempre gostei do Outono. Ainda me recordo de um poema mal escrito que rabisquei numa folha de papel manchada por um café amargo, a que chamei Novembro. Foi há muito tempo atrás, num escuro café de esquina, quando a minha adolescência me obrigava a desaguar desbragado em qualquer pedaço de papel velho.
Nesse tempo, via-me também como coruja. Das noites de insónia no meu quarto de então, de olhos abertos em fúria por algo que não compreendia nem sequer conhecia, às manhãs sonolentas e adormecidas que a minha memória apagou sem fim.
Corujeira não virá de coruja, mas de cruzeiro, numa traição à língua pelo idioma enganador do portuense, que troca consoantes e inventa vogais, na mais terna recriação linguística de que há memória: a pronúncia do Porto.
Cruzeiro das feiras que por aqui havia ou da estrada para o nordeste português que por ali passava em São Roque? Tanto faz, na verdade. A Corujeira recebeu em final de XIX tudo o que era feira de cavalos, de suínos e (espante-se!) até dos moços, afastadas do centro da cidade por questões higiénicas e urbanísticas, valorizando o centro em relação à periferia oriental, de que a Corujeira é o coração, junto à velha estrada para Valongo, Penafiel ou Vila Real.
Os plátanos (e as folhas que lacrimejam das árvores assim que chega o Outono) são a memória viva desse passado, quando o arvoredo oferecia a sombra amiga a quem por ali feirava ou procurava negócio. Por entre o sussurro que perpassa junto aos meus sapatos gastos nos meus passeios outonais na Corujeira, ainda ouço os pregões do passado, as moedas a tilintar na mão das moças e a prosa poética de um qualquer imberbe tonto, à procura do seu caminho para casa.

Notas soltas sobre o que por aí se escreve:
1 - Por
aqui, a catequização continua. Chegou a SRU e de repente até os passarinhos voltaram à Rua das Flores. Haja paciência para tanta cegueira com esse Rio!
2 - Gargalhadas contínuas
neste artigo do jornal inglês "Guardian". Quem havia de dizer que por trás do melhor treinador do mundo estava a genialidade deste consigliere?
3 - O Francisco tem um
grande blog, que leio diariamente. Pena são os exageros esverdeados :-). A tal equipa mascarada de Lagarto tinha 4 leões e... 3 dragões, num jogo em que o azul e branco Paulo Machado não jogou por castigo... a culpa desta euforia é sobretudo do barulho exacerbado que a comunicação social tem feito com os verdes. Depois, acabam por esquecer os outros...
4 - Este
texto está muito certeiro (e já agora este, também sobre o mesmo tema). Como me disse a Mica ainda há pouco, se este concurso tivesse tido lugar há 5 anos atrás, até o Carlos Cruz lá estaria...

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7 Carruagens:

Blogger Repórter M said...

Foi num destes passeios que me falaste a primeira vez do teu avô. Ainda estava longe de o conhecer, mas era já evidente a admiração que tens por ele. É engraçado perceber como a nossa imagem de um local pode ser moldada por um pormenor que pouco tem a ver com o espaço. Não imagino se o teu avô gosta ou não desta praça, se a frequenta ou frequentou no passado, se tem efectivamente alguma ligação a ela, mas para mim estarão sempre associados.

sexta-feira, outubro 13, 2006 3:23:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

perdoe-me mas sinto por aí muita nostalgia ao ver tantas fotos de há "x" tempo atrás!!!

mas não quer isso dizer que não gostei; gostei e vou voltar de certeza.

sábado, outubro 14, 2006 12:47:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Como gosto de ler o que aqui se escreve ;-)

A propósito, conhecem na Praça da Corujeira a nova loja da Naturocoop -uma cooperativa de Produtos biológicos? Andava para publicitar a sua abertura desde o Verão e este post veio lembrar-me isso. Aqui ficam algumas imagens e o link para a página da cooperativa.

(desculpem nao ter ainda participado ou comentado o campeonato de botânica;-) acho uma ideia engraçadíssima, mas ainda nao tive tempo...)
Bom fim de semana

sábado, outubro 14, 2006 1:31:00 da tarde  
Blogger PCS said...

Bela fotografia.
Apetece rebolar na relva e correr por entre as árvores.

sábado, outubro 14, 2006 6:14:00 da tarde  
Blogger Luzinha said...

Linda imagem de outono com um belo texto à mistura!

Adorei!

:O))))

sábado, outubro 14, 2006 7:34:00 da tarde  
Blogger Unknown said...

Excelente foto. Também gosto do outono e apetecia-me estar ali sentado a contemplar as folhas que continuam a resistir à queda.

Gosto do blog. Tenho que agradecer ao Carlos Romão pelo link.

Abraço

domingo, outubro 15, 2006 1:48:00 da tarde  
Blogger JRP said...

Mica:
O mapa mental que fazemos de cada espaço, torna-o nosso ou não. Se o fizeste teu através do meu avô, acho extraordinário. Que eu saiba, ele nunca andou muito por lá!

Anónimo,
Haverá seguramente nostalgia, mas não é defeito, pois não? :)
A data coincide com um período em que fotografei muito a cidade do Porto. Gostamos de o ter por cá!

Manuela,
Ainda não fomos à loja da Naturocoop. Lá iremos brevemente. Ah! E obrigado pelo link na Baixa do Porto ;)

PCS,
qualquer dia levo-te lá para te rebolares, ó trengola! Obrigado pelas tuas palavras, twenty-five!

Luzinha,
Muito obrigado. Faço o que posso. Não sei pra mais :)

Kraak,
Obrigado pela simpatia. Volte sempre!

segunda-feira, outubro 16, 2006 1:34:00 da manhã  

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